Sobre dragões, café e cigarro.

13:18 / Postado por Ricardo(Sano) / comentários (1)

"Só quem já teve um dragão em casa pode saber como essa casa parece deserta depois que ele parte. Dunas, geleiras, estepes. Nunca mais reflexos esverdeados pelos cantos, nem perfume de ervas pelo ar, nunca mais fumaças coloridas ou formas como serpentes espreitando pelas frestas de portas entreabertas. Mais triste: nunca mais nenhuma vontade de ser feliz dentro da gente, mesmo que essa felicidade nos deixe com o coração disparado, mãos úmidas, olhos brilhantes e aquela fome incapaz de engolir qualquer coisa. A não ser o belo, que é de ver, não de mastigar, e por isso mesmo também uma forma de desconforto. No turvo seco de uma casa esvaziada da presença de um dragão, mesmo voltando a comer e a dormir normalmente, como fazem as pessoas banais, você não sabe mais se não seria preferível aquele pantanal de antes, cheio de possibilidades - que não aconteciam, mas que importa? - a esta secura de agora. Quando tudo, sem ele, é nada.
Hoje, acho que sei. Um dragão vem e parte para que seu mundo cresça? Pergunto - porque não estou certo - coisas talvez um tanto primárias, como: um dragão vem e parte para que você aprenda a dor de não tê-lo, depois de ter alimentado a ilusão de possuí-lo? E para, quem sabe, que os humanos aprendam a forma de retê-lo, se ele um dia voltar? Não, não é assim.
Isso não é verdade.
[...]
Então quase vomito e choro e sangro quando penso assim. Mas respiro fundo, esfrego as palmas das mãos, gero energia de mim.. Para manter-me vivo, saio à procura de ilusões como o cheiro das ervas ou reflexos esverdeados de escamas pelo apartamento e, ao encontrá-los, mesmo apenas na mente, tornar-me então outra vez capaz de afirmar, como num vício inofensivo: tenho um dragão que mora comigo. E, desse jeito, começar uma nova história que, desta vez sim, seria totalmente verdadeira, mesmo sendo completamente mentira. Fico cansado do amor que sinto, e num enorme esforço que aos poucos se transforma numa espécie de modesta alegria, tarde da noite, sozinho neste apartamento no meio de uma cidade escassa de dragões, repito e repito este meu confuso aprendizado para a criança-eu-mesmo sentada aflita e com frio nos joelhos do sereno velho-eu-mesmo:
- Dorme, só existe o sonho. Dorme, meu filho. Que seja doce.
Não, isso também não é verdade. "

Trecho de Os dragões não conhecem o paraíso
Caio Fernando Abreu

"Now you know how dragonflies tinks
the hearts with dots..."


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Sobre loucura, café e cigarro.

00:21 / Postado por Ricardo(Sano) / comentários (2)

"Vontade de jogar tudo pra cima."

É o que lhe passa pela cabeça quando se pega olhando para o nada.
Vontade de mandar tudo pro espaço e fazer a loucura que tem em mente. Loucura? Quem disse que é loucura?
Loucura só é loucura mesmo, se você achar que é assim.
"Mas a sociedade..." eles lhe diriam.
Que se foda a sociedade! O que a sociedade sabe sobre VOCÊ?!
Errado, certo, loucura, sanidade, tantos conceitos distorcidos. Palavras abstratas, sem definição exata. Tudo uma questão de ponto de vista. O que é errado para uns, é o certo para outros.
Dizem que ele vai quebrar a cara pensando assim.
"E daí?" ele responde.
Se fosse se preocupar com tudo o que lhe dizem, não brincaria feito criança todos os dias sem se importar com comentários e olhares. Mas não seria tão feliz quanto a criança que brinca.
Se fosse se preocupar com tudo o que lhe dizem, não dançaria como se o mundo fosse acabar embaixo de seus pés. Mas não sentiria todo o prazer que a dança lhe traz.
Se fosse se preocupar com tudo o que lhe dizem, não se apaixonaria por alguém que lhe pareça impossível. Mas não sentiria o frio na barriga e as borboletas voando com um telefonema, ou uma mensagem de texto.

Agora ele tem um plano.
Não.
Agora ele tem um desejo. Desejo é a palavra correta.
Não.
É mais que isso. Não dá pra explicar.
Ele quer. Ele vai. Pronto. E vai valer a pena. "Tudo vale a pena se a alma não é pequena", afinal de contas.

Vai deixar o sol queimar, vai ouvir o barulho das águas, vai ouvir vozes novas, olhar pessoas diferentes, escutar uma voz familiar, deitar, sorrir e dormir. Acordar e ver que não é um sonho, sorrir, tomar o seu café, fumar aquele cigarro de todas as manhãs e dizer BOM DIA. E realmente, é um bom dia. Foi um bom dia. Será um bom dia. Serão todos. É nisso que acredita. Loucura?
Não.

"I'll be doin' my best. I'll see you soon."